10 noviembre 2010

Saber dizer adeus

Não gosto da vidinha mais ou menos. Do sim, mas não. Do não, mas sim.E então concluo que há alturas em que temos de saber dizer adeus. Despedir-nos. Parar tudo e sair dignamente. Fechar este capítulo e procurar outra inspiração.
Isto é como um banho morno. Odeio água assim-assim. Mas estou ali, ensaboando-me debaixo daquele duche sem graça e penso: “Que preguiça de sair daqui, pegar na toalha, passar frio, e ir até à cozinha para subir o nível da caldeira”. Então suspiro e digo, Melhor assim que sem agua. E sigo cantalorando debaixo dessa água tão sonsinha, tão indiferente, tão correcta. Mas que pelo menos lava.

03 noviembre 2010

Menina chinfrineira

Ele diz que sou chinfrineira. Chinfri, quê? Que faço barulho, algazarra, berraria. E eu revejo-me nessa chinfrinece. Às vezes queria ser diferente. Mais calada, mais dócil, mais observadora. Às vezes contenho-me e sinto-me estranha. Diabo, sai deste corpo! E volto àquela menina histérica, à voz alta e movimentos desengonçados. Falando por braços, cotovelos e mãos. E alguém reclama. Torço o nariz e reviro os olhos. Então vem o outro e diz que tenho de controlar o mau humor. Que não posso chatear-me tanto, blablablá. E eu aproveito e reclamo dessa critica. Que sou assim, que se gosta gosta, se não gosta, sai da frente. E então fui bruta e chamam-me “borde”. Para me defender explico-me. Rio-me da situação, dou abraços, beijinhos e gritinhos. E, que surpresa, estou de volta à menina chinfrineira.

06 octubre 2010

Anarquia do sentimento

Abaixo as etiquetas, os rótulos e os organizadores. Abaixo as categorias e os separadores. Abaixo os cargos. Que morra a ordem, a espécie e a preparação. Virei anarquista. Quero poder sentir sem justificar, pensar sem enquadrar e viver sem explicar. Quero poder rimar. Que cada dia seja uma incógnita e cada manhã um novo sentimento. Se quero fazer, faço, se quero dizer, digo. Tirem-me essas amarras que herdei da vida, esse colete branco tão difícil de desapertar. Porque há perguntas que não sei responder, questões de réplica hesitante. Queria apenas dizer-lhes que sinto sem categoria, mas isso soa tão foleiro. Então nego. Melhor negar que precipitar-se, melhor negar que errar, melhor negar que cair e fazer ferida.
Porque a anarquia encaixa tão bem, é o número perfeito, a cor adequada, o tecido exacto para aquilo que criámos. Não tenhemos nem isto, nem aquilo, nem o outro. Vivemos uma anarquia sentimental. E isso, por agora, faz-me feliz.

24 septiembre 2010

A casa

A nossa casa é aquele sítio onde crescemos. Não, corrige. É o lugar onde temos todas as nossas coisas. Errado. Onde vivem os nossos pais. Nem sempre. Onde estão as recordações. Mentira. É aquele lugar que tem cheiro familiar, gosto de tempero da avó e histórias em cada esquina. Isso é só para os mais sortudos.
Casa é tudo aquilo que levamos numa mudança. E tantas outras coisas que o camião não pode carregar. Casa é mais do que matéria. Isso sim. Casa é onde nos sentimos em casa. Mas quando aquela que era a nossa casa é divida em três caixotes: dar, levar, ficar; quando o nosso perfume é substituído pelo cheiro a fita-cola; quando a nossa boneca de infância é encaixotada sem piedade… Quando vemos tudo isso acontecer, concluímos: nós somos a nossa própria casa. Nem pais, nem amigos, nem bonecas. Nem moveis, nem edifícios, nem vizinhos. A nossa casa somos nós. Eu. Carne, osso e espirito. O resto é só romance.

14 agosto 2010

Dois improváveis

Quem vê aqueles dois por ai deve rir-se. Gargalhar da improbabilidade daquela imagem. Da incerteza de uma razão numérica, equitativa, um motivo racional para uma realidade tão desconcertante.
São noites de açúcar e dias salgados. Franzidos de testa e rugas pé-de-galinha. Insultos entre dentes e elogios a gritos. Abraços. São agridoce, esses dois, sempre pendentes dessa incerteza que os faz mais felizes, aventureiros, jovens inconsequentes num bar manchado de cerveja.
E quando passam na rua tiram-lhes fotos, sussurram comentários, dão-lhes moedinhas. São a atracção da feira. Dois únicos com falta de encaixe. Dois improváveis que se juntam e se olham com uma cumplicidade que faz saltar os alarmes. Porque se esses dois são uma verdade feliz, então o mundo é uma piada.

26 julio 2010

Gato selvagem

Engano-me. Engano-me dia a dia pensando em ti como penso em mim. Pensando em ti como gostaria que fosses. Pensando em ti em modelos passados. Não és, mas às vezes pareces ser. Fecho os olhos e por momentos, fragmentos de momentos, deixo-me levar por essa espiral de algodão doce perfumado, por esse cobertor plumas dos contos infantis. E somos felizes. Como as perdizes.
E quando dizes que não, como quem convida para beber um copo, quando dizes que não, como quem diz que sim, quando dizes que não, eu engulo. Engulo e rebaixo-me neste meu papel secundário, neste meu pseudo-não-papel, como gosto de chamar.
Porque se não sou nada, nada posso exigir. Se não existo, não tenho voz. E calo, enquanto tu continuas, feliz, conjugando os teus verbos no singular, estabelecendo a tua simples lista de prioridades. Exercendo o desapego nessa tua vida contraditória de gato selvagem.

25 julio 2010

A negação

Eu sempre fui aquela que se vai.
Sempre soube que é mais fácil fugir que dizer adeus, mais fácil ir que ficar, mais fácil negar que enfrentar.
Sempre fui pelo mais fácil.
Sempre fui. Nunca fiquei.
E agora dizem-me que se vão e eu tenho vontade de me ir antes. Só para não ficar. Tenho vontade de pegar em tudo e fugir. De fazer um drama, colar-lhes os pés ao chão, dizer que melhor infeliz e perto, que feliz e longe. Dizer-lhes tudo aquilo em que não acredito.
Porque não importa. Eles se vão. Não há maneira, eles se vão.
E então eu nego.
Finjo que não é comigo. La-la-la-la-la. Que não é verdade até ao derradeiro adeus, que não acontece até acontecer, que sofrer por antecedência é coisa de fracos. E a mim, ensinaram-me a ser forte. Então engole o choro e pensa noutra coisa. Nega até ao último momento. Nega que desta vez, és tu quem vai ficar. E sofrer.